domingo, 20 de maio de 2012




A confusão em que se meteu, em Sergipe, no que seria sua despedida dos palcos, de certa forma, ajudou Rita Lee a atrair atenção para seu primeiro disco de estúdio em nove anos, Reza(Biscoito Fino). Este é o mais tropicalista dos 28 álbuns que já lançou em carreira solo, até o lendário theremin da época dos Mutantes tirou do armário para usar em Pow, a faixa que fecha o disco.


Da ladainha Pistis Sophia que abre o repertório, da semelhança na melodia de Reza com Starting over, de John Lennon (do discoDouble fantasy), do remake escrachado de Datemi un martello, o grande hit de Rita Pavone, em Tutti fuditti, no pastiche irônico de rock do Leste Europeu em Bagdá, o que ela ratifica é que ainda sabe fazer o bom e velho rock and roll, quando está afim.


Ela não se repete em nenhuma faixa, como num disco dos Mutantes, dispara para todos os lados e quase sempre acerta. O que é constante em todas as 14 faixas de Reza é a temática autobiográfica das letras. Não biográfico no sentido cronológico, mas no de falar do seu cotidiano o tempo todo: “Faço terapia/ malho todo dia/ pratico yoga/ não uso mais droga/ tomo ansiolítico/ em estado crítico/ na crise de pânico/ propofol orgânico (de Vidinha, com o refrão: “Vidinha besta/ vidinha furreca/ vidinha chinfrim/ ô vidinha de merda”), com um corinho à Simpathy for the devil. Ou ainda: “Parei de fumar/ parei de beber/ parei de jogar/ parei de ser aquele ser cafajeste/ aquela peste/ Nem banho tomo mais/ dinheiro tanto faz/ a cabeça tá um jazz/ eu vivi pelos cantos feito bicho/ eu tô um lixo”.


São canções autorais, grande maioria assinada por ela, só com o parceiro Roberto Carvalho, no melhor disco de Rita Lee em anos. Ela volta em algumas faixas ao rock básico, com levada à Chuck Berry, como acontece em uma das grandes faixas do álbum, As loucas, que poderia estar no repertório dos antológicos LPs que lançou nos anos 70, quando abrasileirou de vez por todas o rock nacional.


Certamente a participação de Apolo 9 colaborou para atualizar o som de Rita Lee, sem radicalizar. Ele coassina a produção com Roberto Carvalho. A banda que toca com Rita Lee é ótima. A grande maioria dos guitarristas que aparece nas eventuais listas dos melhores do país no instrumento não amarra o cadarço do sapato do marido de Rita Lee Jones.


A titia Rita, que há 40 anos lançava um disco solo (paradoxalmente, com os Mutantes) chamado Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida, mostra que ainda tem muitas cartas nas mangas, e o rock continua correndo nas veias.





Por José Teles, publicado no Jornal do Commércio em 20/05/2012.

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